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Lista: 3 + 3 filmes

Fazer listas é uma prática comum na Internet. Não é à toa. Entre outras utilidades:

– Listas compensam a falta de assunto (“conheça dez maneiras de economizar”, diz a página de economia de um portal sem notícia).

– Elas dão ordem ao caos de informação (“os dez tuiteiros mais influentes segundo nosso algoritmo; siga-os”).

– Rankings são uma forma de poder (“a lista definitiva das dez melhores bandas da história; por mim”).

– Listas são divertidas (por exemplo, uma com privadas de jogos eletrônicos sempre atrai atenção).

Não é por falta de assunto que apresento então uma lista (enquanto escrevo, procrastino pelo menos outros três temas previamente selecionados). Talvez seja pelo poder (e a diversão certamente ajuda). Na verdade, é porque um presságio revelou-me que era hora de publicar uma lista.

A LISTA DE TRÊS FILMES FAVORITOS DO ERNANE ADOLESCENTE, SEGUIDA DE TRÊS FILMES QUE PODERIAM SUBSTITUÍ-LOS NUM UNIVERSO PARALELO


Carrie, a Estranha

(Carrie)

A película estadunidense da tríade principal. Primeira adaptação de um Stephen King ao cinema, é muito mais um drama comovente que uma história de medo.

O aposto ao título brasileiro é inadequado, evidentemente.  O filme entra na lista justamente como uma sagração da beleza, como a defesa dos inocentes, uma lição sobre não mexer com quem está quieto.

O martírio carriano deveria ser visto como uma elevação ao mundo dos deuses, não como uma fantasmagoria.

O Enigma de Kaspar Hauser

(Jeder für sich und Gott gegen Alle)

O cinema de arte (ou “cinema europeu”, dependendo de como sua locadora organiza as prateleiras).

Que Amala e Kamala, que nada! A criança não domesticada favorita da classe artística é Kaspar.

Não é para buscar reconstituição de história verídica alemã, interpretação psicológica ou lição sobre o processo de aquisição de conceitos humanos: é para ver o trigal ao vento sob a música de abertura (e um pouco de coisas “cabeça” que acontecem ao longo da narrativa). Cada um por si e Deus contra todos.

Tóquio em Decadência

(Topazu)

Aqui me dei conta da possibilidade de alegoria na história realista. Trata-se de um drama pornográfico (sim, as duas coisas juntas), mas não precisa ser interpretado por psicólogo nem por sociólogo. A lição está na reação da protagonista, a partir da estrutura de relações. Ganhei a habilidade para ler romances de Machado de Assis.

Bela lista. Mas o tempo passa, a experiência aumenta, novos títulos vêm competir com o cânone. Merecem menção longa-metragens igualmente recomendáveis e que são também, respectivamente, um exemplar “da indústria”, um “filme de autor” e uma bizarrice.

Platoon

(Platoon)

Seu equilíbrio é um segredo negligenciado por muita gente. A história de como a guerra é cruel ganha uma apresentação ao mesmo tempo  (lá vem lista)

– poética (o tema musical, o crescimento do protagonista ingênuo), mas o melodrama não predomina;

– múltipla (com algum esforço em tratar como indivídos as personagens, em chorar cada morte);

– estratégica (da relação das personagens, do conflito interno do pelotão tiramos lições sobre relacionamento humano);

– tática (confesso: as lembranças mais fortes são da espera pelo inimigo, da solidão no caos da batalha; essa lição os desenvolvedores de jogos esquecem frequentemente).

O Sétimo Selo

(Det sjunde inseglet)

O xadrez como alegoria do homem, ambientado numa fantasia medieval. Não é preciso dizer mais.

Os Irmãos Witman

(Witman fiúk)

Sombrio e lento, sem discursos intelectualizados, o filme húngaro apresenta os irmãos Ernö e János, garotos que não vão muito bem. Uma prostituta torna-se algo próximo de uma amiga, mas a história não é alegre.

Talvez eu não devesse colocar esse título em minha lista de recomendações. Poderia elencar Feios, sujos e malvados, que é mais reconhecido, além de engraçado. Mas, se o fizesse, a) o paralelismo entre filmes bizarros não seria tão óbvio e b) eu não poderia me gabar de ter visto essa obra que ninguém conhece e dificilmente vai encontrar por aí, um exercício de arbitrariedade típico de quem faz listas.



Qual foi o sinal de que era momento de redigir essa lista? Foi um presságio musical: o programa Seleção do Ouvinte, da rádio Cultura de São Paulo, apresentou em sequência o Cânone, de Pachelbel, e o Adágio para cordas, de Samuel Barber. Quer dizer que “o povo” quer ouvir a abertura do Enigma de Kaspar Hauser e o tema de Platoon. Platoon faz-me pensar mais em música pesada com “samples” do que em música erudita, mas isso é assunto para outra lista.

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3 replies on “Lista: 3 + 3 filmes”

Não, faz só uns dez anos. Agora tenho filmes mais chatos para ver, se quiser aparecer.

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