(Eu e @Ugenias estávamos meio rabugentos e ela pediu uma exploração do tema. Lá vai)
Aprender novas linguagens é sempre um exercício enriquecedor. Mas o problema de quem precisa aprender um sistema ou idioma é que dá trabalho aprender uma nova linguagem.
Será que o declínio de um império é afetado por uma preguiça generalizada de quem não precisa nem aprender mais uma língua? O comentário a seguir tem menos motivação geopolítica internacional do que interesse na simples repetição de valores na sociedade, na cultura do cotidiano.
A ideia de que variações sociais ou regionais de uma mesma língua sejam tratadas como sistemas distintos tem suas vantagens, como distinguir um português “culto” de um “coloquial”, para começar. Mas não é uma vantagem dizer que elas se equivalem (como no caso das cartilhas culturalistas que abolem o conceito de “incorreção”); pois a vantagem em reunir populações diversas sob uma mesma “língua” é haver uma referência central (no caso deste texto, podemos chamar de “Português”).
Que pregui… aprender uma variante deste idioma e depois ter de “corrigir-me” a bordoadas dos castiços!
É o que acontece com a gente brasileira, que aprende códigos e manhas de uma variante coloquial nem sempre mais funcional que a norma culta (pela ambiguidade, pela incorreção sintática) e se atrasa na escrita, na expressão profissional em geral. Sem conhecer bem a referência em torno da qual orbitam tantos registros (o da professora, o do trabalhador, as gírias), fica mais difícil transitar na cultura.
“E daí? A língua é errante.” Sim, mas essa errância acontece conosco, na sociedade, isto é, está em nossa responsabilidade existir com ela, escolher cotidianamente suas formas.
Daí pensar o reforço. Chame de circularidade, hábito, informação, recursividade, retroalimentação, se preferir; o fato é que repetimos padrões de linguagem diariamente.
A briga que eu compro é a de que é impossível não fazer escolhas, não agir politicamente; escolher se abster é tentar o fracasso. Muitos professores e comunicadores têm-se deixado abater por esse fracassismo, deixando de solicitar dos seus e oferecer às multidões uma convenção, uma civilização; vale qualquer coisa.
Na prática: repetir incorreções gramaticais é uma escolha, não uma necessidade.
Quando vejo a TV adotar padrões de linguagem como “tu faz”, ou quando o mercado editorial investe em textos mal revisados de viés coloquialista, não consigo ver um “reencontro”, uma “reconciliação” entre norma culta e língua viva, mas um reforço de formas “da moda” em detrimento de um reforço do padrão. Parece que os comunicadores aderem a um pressuposto errado, o de que os ignorantes da convenção não querem conhecê-la.
Na época em que o filme G.I. Joe foi lançado, recorri a minha gibiteca em busca de alguns poucos quadrinhos que me lembrassem o brinquedo de minha infância. Sim, pois a ficção em torno dos “Joes “(quadrinhos, desenho animado e longa-metragem de ação) é fundamentalmente um veículo de propaganda do Falcon, dos Comandos em Ação.

Lembrei-me dos desenhos animados exibidos naquela década (vários de décadas anteriores), que levavam as crianças a repetir, brincando entre si: “Peguem-no!”. Trocar essa fala por algo como “Vamu passá todo mundo” é uma escolha de roteiristas, tradutores, dubladores, comunicadores em geral. O problema não é evidentemente o uso de gíria; é haver uma escolha consciente de conteúdo, revisão de texto, sintaxe que reflita a lógica do idioma e a complexidade da vida em sociedade, léxico que mais ajude do que atrapalhe o entendimento.
Fiquei impressionado com a maturidade do enredo do gibi, já pasteurizado pela regra “politicamente correta” dos anos 1980 de que ficção para a família, mesmo quando militar, deve ser higiênica, sem mortes ou horror. Quero dizer que a ficção para vender brinquedos não era um insulto à capacidade intelectual das crianças, como parece ser a atual [←sinal de autor querendo ficar velho].
Suponho que um produto infantil que seja apreciável pelos adultos deva ser muito mais interessante para a maioria dos pirralhos do que outro que anuncia “só uma criança é capaz de gostar disto”. Revistas de super-heróis ou marcas infantis como Disney e Mauricio de Sousa têm uma história própria, ou seja, têm uma relação um pouco diferente com os momentos históricos em que aparecem, pois têm uma tradição. Restrinjo portanto minha impressão política atual às histórias feitas para vender brinquedo, que tenho acompanhado ligeiramente nos últimos anos; diria que a abordagem mostra o derrotismo cultural.
De tantas palavras escolhi “reforço” o leitor sabe por quê. Nesta estou com Skinner: o reforço positivo é melhor que o negativo [ou a confusão].
