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Pano preto

Para quebrar o silêncio desta página, a administração planejava a edição de um poema, mas o autor não o entregava. O mais novo espetáculo solo de Mariana Muniz serve como um vestido preto para o pobre poema de Ernane, que por isso vem como apêndice ao comentário sobre a peça teatral.

D’Existir, de Mariana Muniz

O espetáculo D’Existir dialoga com Mal Visto Mal Dito, texto de Samuel Beckett de 1981. A dança da professora Muniz tem uma linguagem prenha de quebras sintáticas (ou recriação da sintaxe do corpo); seu encontro com Beckett potencializa essa característica com elegância. Ademais, o espectador acostumado espera de Mariana a ênfase no uso dos objetos cênicos; um guarda-chuva e o vestido preto são os destaques na feminina apresentação.

De maneira geral, trata-se de uma peça com várias camadas de preto, como tom da abordagem a questões como morte e vida, ser ou não. As cenas sucedem-se recursivamente, como repetição e revisitação de motes como “Vênus” e “sol”.

Foto: Divulgação

O espetáculo viaja pelo Estado de São Paulo. A turnê está começando:

2, 3, 4 e 5 de abril de 2015 –  São Paulo – Top Teatro

11 e 12 de abril – Guarulhos – Teatro Adamastor

18 de abril – Suzano – Contadores de Mentira

19 de abril – Santana De Parnaíba – Cine Teatro Coronel Raymundo

25 de abril – Votorantim – Parque Ecológico Matão – Espaço Ambiente Coreográfico

Mais informações em http://www.ciamarianamuniz.com.br/


Só mais um poema no escuro

Os motes mais concretos podem ser diversos, a obra recomendada acima certamente tem mais apuro, mas o poema abaixo visa algo de semelhante em tom (nada de cores berrantes, mesmo que os temas sejam gritantes).

Vivo, sim

Deito. 
Em torpor 
Contemplo 
Meu corpo. 

Não há rebanho
Todos são feras 
Não há amigo clemente
Nem benfeitor que não leve uma faca. 

Nesta caverna escondo meu corpo 
Eu saio, enfrento os estranhos 
E trago frequentes despojos 
Para o monstro que habita comigo. 

Não posso fugir deste bicho 
Que confundem comigo 
Porque está em minha pele. 
Se é contra ele, não é autoflagelo. 

Não é timidez se o faço calar 
Porém ele sempre está aqui. 
Em sangue e com sede pintamos a caverna 
Meu sangue, boca seca de ambos. 

Torto 
Em torpor 
Não mau 
Nem morto.

VivoSim