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Queime minha língua: chegando em minha casa móvel

Norma culta é CVLT”

(Caveira, metaleiro da Internet)

 

Gosto de pensar na evolução da linguagem como um cabo-de-guerra entre os acadêmicos, de um lado, e poetas, ignorantes e jovens inventores de gírias de outro. Os acadêmicos acabariam cedendo, mas teriam a função de conter um pouco a evolução desembestada do idioma. Na prática, porém, eles largaram a corda faz tempo, deixando todo mundo enrolado.

Um dos mais complicados paradoxos vividos pelos professores de gramática reside em dizerem que “o povo faz a língua”, o que no limite quer dizer que os docentes ensinam o que a gente já sabe. A visão prevalente nas escolas de Letras é a de que não há “certo” ou “errado” na linguagem, há a “norma culta” e o uso popular. Um bom professor, então, diz ao aluno que está ensinando a norma do patrão, que a poesia da rua não tem lugar no vestibular, como se o ignorante só quisesse ter acesso ao conhecimento da língua por razões de status social, não de comunicação.

Consequentemente é comum vermos o simplório, ansioso por um conforto gramatical, perguntar “o que é certo” e ouvir do portador das normas que “tanto faz, contanto que funcione”. Curiosamente, na hora de escrever, o mesmo professor vai ostentar toda a sua antiquada correção de regência e o fidalgo apuro estilístico que negou às massas. Tem gente que diz que os professores “culturalistas” entram nessa contradição como uma forma de afirmação de sua superioridade intelectual.

Este blogueiro vai tentar convencer os leitores de que um pouco de coerência com a tradição do idioma não faz mal; é verdade que a língua muda, mas fica mais fácil se não mudar à toa. Quero dizer que o professor não precisa fechar os olhos para novos usos das velhas palavras, especialmente porque novas necessidades criam novas formas. Mas, em lugar de denunciar como “discurso da elite dominante” aquilo que já funciona (como se ele mesmo não usasse esse discurso), o professor deveria esclarecer o aluno.

Desse modo, não dói explicar que não há necessidade de “deletar” se em português já temos “delir”, ou, mais comumente, “apagar”.

Não pega mal o professor lembrar que o verbo “chegar”  rege a preposição “a” para o destino: “Cheguei a casa”. “Cheguei àquele lugar montado num cavalo”.

Assim, quem chega “em” casa, a rigor, mora numa casa móvel. Talvez um “trailer” ou um “motor home”, se faltarem palavras melhores em português.

O que me deixa encucado é que, com a prática, os respeitáveis professores se abstêm de ensinar. Deve ser mesmo para não contrariar ninguém e continuar com o tesouro só para si.

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Lição de casa: Mariana Muniz

Cena de Penetráveis, da Cia. Mariana Muniz (Bárbara Faustino no primeiro plano)

Fui ver Penetráveis, trabalho atual de Mariana Muniz e sua trupe.
Com ou sem conhecimento de Helio Oiticica (inspirador da obra, citado explicitamente), o espetáculo requer que  deixemos um pouco de lado a razão na hora da fruição. Isso foi difícil para este espectador, pois o jogo metalinguístico é uma armadilha (a protagonista brinca com “jogar o jogo de fingir que não está jogando”).
Temos então uma primeira parte de brinquedo disfarçado de jogo: a loucura, a não razão denunciam a razão.
Formalmente, a apresentação brasileiríssima nada tem de óbvio ou clichê.
Esse processo serve como construção do momento posterior, clímax da peça: uma franca retomada do parangolé de Oiticica. Com tudo aquilo que veio antes, a brincadeira final ganha coesão; nossos olhos já estão prontos para a exuberância do samba, da fantasia, do confete.
O fato de a apresentação acontecer às vésperas do Carnaval enriquece a experiência.

*
Acabo de adquirir uma cópia do delicioso Dicionário do brasileiro de bolso, de Teixeira Coelho. Ele pode nos dar a conclusão deste texto em seu verbete “carnavalização”: “Foi preciso um russo, Mikhail Bakhtin, consagrar essa palavra para que ela fosse aceita, reivindicada, usada e abusada como categoria estética e sociológica no país do carnaval”.

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Lição de casa: Os sapatinhos vermelhos


Meu amigo Antonio Zago desafiou-me a uma sessão de Os sapatinhos vermelhos depois de falarmos sobre Cisne negro.

Eu não poderia deixar de fazer a lição de casa sugerida por um crítico de arte tão simpático e peguei o filme de 1948 num sebo.

De fato, ambos têm como ponto central a paixão pela dança. Paixão como afetação que se opõe à razão, como doença até. Zago diz que esse filme é responsável pelo surgimento de uma geração de bailarinas; não há dúvida de que pinta bem o amor, ops!, a paixão pela arte.

Do ponto de vista formal, Os sapatinhos vermelhos toma a liberdade de fazer uma adaptação do balé para a tela que deixa muita videodança contemporânea no chinelo: a obra ganha truques de montagem (como a protagonista vendo a própria imagem projetada na vitrine a dançar com os tentadores sapatinhos) e um cenário que não caberia na maioria dos teatros.

Sua alegoria é mais discreta: a  bailarina também se metamorfoseia pela dança, sem que isso seja um choque. O que pode desapontar é a opacidade do sangue que jorra em contraste com o fulgor dos sapatinhos; mas isso deve ser opinião de quem gosta de um filme de horror tão pouco discreto quanto Cisne Negro.

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Queime minha língua: o “trabalhante”

Começo minha série sobre o cultivo do idioma com uma notícia que, durante a tarde de 15 de fevereiro, rendeu bastante discussão pela Internet (foi um “trending topic” do Twitter, ao menos).

Trata-se do projeto de lei 74/2011 (http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=491002), que cria uma condição intermediária entre estagiário e empregado: um salário de empregado sem os direitos do trabalhador. Deixemos de lado a discussão sobre se é conveniente criar novos estatutos precários de trabalho; o que me interessa aqui é o problema da composição de palavras.

A palavra “trabalhante” pretende ser uma mistura de “trabalhador” e “estudante”. Alguém viu “estudante” na palavra? A terminação “ante” dá ideia de prática, de recorrência. Se não me contassem, eu entenderia a palavra como sinônimo desnecessário de “trabalhador”.

Essa invenção não tem o eco humorístico de uma criação como “escraviário” (sinônimo de estagiário e, em certa medida, de “trabalhante”), que até pode prescindir da precisão etimológica.

Fico impressionado que, a esta altura da civilização, o tempo dedicado pelas pessoas ao estudo seja tão escasso.  Os cidadãos acabam permanecendo ignorantes (não é um neologismo com “estudantes”) de conhecimentos básicos sobre o significado dos elementos que formam as palavras.

Acontece que, no caso, trata-se do texto de um legislador. O apreço pela língua deveria fazer parte do trabalho de quem pode influenciar práticas e costumes.

Por fim, pergunto aos amigos se conseguiriam compreender um neologismo que criei também a partir de um sufixo: a expressão, alterada em meu conto “O poste”, era “conquista íada”. Alguém acha que fazia sentido? Qual sentido?

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Ponta no filme da Cynthia

Sozinhos entre fatias foi apresentado em “première para amigos” ontem. O curta-metragem protagonizado pela Cynthia Domenico, este sim, não tem medo de metáfora. É uma grande vantagem da bailarina ao contar uma história: o objeto, o cenário, o mínimo movimento ganham importância.
Tenho orgulho de ser figurante nesse trabalho.

Produção de "Sozinhos entre fatias"
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Quero ver Mariana Muniz

Eu deveria ter visto essa produção antes, mas felizmente há mais chances. Tenho orgulho de ter estudado um pouco de dança com Mariana Muniz. Agora a Mestra dos Objetos volta a Oiticica.

Cono a companhia define o espetáculo:

Com PENETRÁVEIS, a Cia. Mariana Muniz se propõe dar continuidade à pesquisa de linguagem em arte/dança contemporânea, inspirada nos caminhos trilhados pelo artista plástico brasileiro Hélio Oiticica (1937-1980). Movida pela idéia de que a dança é um modo de produção de conhecimento, e apostando na dança como “criação pelo ato corporal expressivo, que se transforma sem cessar”, de acordo com as palavras do próprio Hélio.
Atuamos sob a ótica dos penetráveis de HO, que apontam para novas regiões do fazer artístico, partindo de uma pesquisa intrinsecamente construtivista e voltada para a autonomia da forma e para sua integração em uma nova totalidade; queremos chegar ao espaço plástico da rua, dos teatros e das galerias. E, de modo revitalizado e orgânico, tornar concretas nossas idéias, fincando pé num terreno/terreiro, cuja premissa essencial é a criação de novas condições de experiência do real e de modos de estar no mundo.
Mais em http://www.marianamuniz.ato.br/agenda.html

Apresentações:
16 de fevereiro de 2011 às 11h
TEATRO ANHEMBI MORUMBI
Rua Dr. Almeida Lima, 1134 – Brás – tel. (11) 2790-4500
Duração: 50 minutos – Grátis
Livre / 120 lugares – Acesso para deficientes

17, 18 e 19 de fevereiro de 2011 às 20h30, e 20 de fevereiro de 2011 às 19h
GALERIA VERMELHO
Rua Minas Gerais, 350 – Consolação – tel. (11) 3138-1520
Duração: 50 minutos – Grátis
Livre / 120 lugares – Acesso para deficientes

Lançamento do CD com a Trilha do Espetáculo:
17 de fevereiro de 2011 às 21h30
GALERIA VERMELHO
Rua Minas Gerais, 350 – Consolação – tel. (11) 3138-1520