A propaganda comercial trata-nos como pessoas que tomam decisões com base em afeição, não razão. Embora a afeição seja uma condição inerente ao animal, a espécie sapiens sapiens costuma considerar que a escolha de um produto ou serviço menos por suas características intrínsecas do que por reconhecimento de marca é idiotice.
Portanto, a propaganda comercial trata-nos como idiotas.
A prefeitura de São Paulo reimpõe a propaganda comercial em espaços públicos, com uma regulamentação eficiente em termos capitalistas: a “cidade limpa” arrecada com propaganda que dá a hora, com anúncio no mobiliário dos serviços de transporte de massa.
Ao continuar a higienização implementada no governo Kassab, a administração Haddad fortalece a troca utilitarista: “cidade limpa” é quando os propagandistas autorizados, pagantes de tributos, assumem a responsabilidade municipal de corrigir a situação de pontos de ônibus depredados e veículos sujos. De poluição visual onipresente, a propaganda passa a ser oligopólio das marcas dirigido a serviços específicos, como ônibus e jardinagem.
Ninguém quer ser um idiota. Além de propaganda nas alças com que o passageiro tenta se equilibrar na trepidação, quando o carro não está tão cheio que as dispense, fala-se em distribuição de brindes (e propaganda). Uma regulamentação que permita propaganda ostensiva nos ônibus pode fazer muita gente se sentir idiota.
Alguns podem prescindir ao “tratamento de idiota” nos ônibus, deixando-os, em favor de caminhar ou, na maioria dos casos, colocar mais um veículo particular na rua.
É assim que se desenvolve uma desigualdade na capital paulista: a de propaganda, entre os “idiotas” que aceitam (e precisam aceitar, por falta de opção) a maquiagem do serviço público insuficiente, de um lado, e os “espertos” que puderem escolher carro, moto (com consequências diferentes, inclusive no tratamento publicitário). A expressão “esperteza”, popular no Brasil, opõe-se a “idiotice”, mas pode ser algo bom ou mau.
Os publicitários já levam em conta, em suas campanhas, as classes sociais do público; a diferença é só o tratamento diferenciado dado aos cidadãos de acordo com os meios de transporte que podem escolher. Na prática, uma continuidade na política de tratar os mais pobres como idiotas e os mais abastados como espertos.
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