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Propaganda é porcaria?

Disseram-me que o texto sobre a série de documentários Figuras da Dança parecia uma propaganda.

Mas que tipo de propaganda parecia? A comunicação boca a boca de uma opinião ou o anúncio acrítico de um produto?

Não é do meu tempo.

Um dos riscos que a Internet agravou foi justamente aquele decorrente do poder de comunicar: a página do fã, a corrente de mensagens eletrônicas, o blog disseminam informação nem sempre verdadeira. A consequência é a desconfiança em relação ao comunicador independente, que não tem a chancela de uma equipe editorial, uma marca empresarial, acionistas e advogados a impor respeito.

É claro que esta página internética não travestiu de crítica um interesse comercial. A convidada criticou favoravelmente um vídeo (se alguém pedir posso escrever sobre a “política de ver as coisas boas e dar as ruins ao esquecimento”); para prestar um serviço, acrescentei dia e hora em que vídeos da mesma coleção serão exibidos.

Se não era um interesse comercial, eram interesses pessoais que guiavam a escolha dos temas, certo? Mas é assim que agem todos os comunicadores, da mexeriqueira da esquina à mais apurada repórter (alguns jornalistas enganam a si mesmos dizendo que a imparcialidade é possível, mas isso também fica para outro dia).

O problema não é tanto a “pessoalidade” da comunicação. Afinal, é obrigação ética de cada um defender sua “verdade” com rigor (e, de preferência, com a razão). A perversidade está em fugir a essa obrigação.

E é essa a diferença entre a propaganda boca a boca, a espontânea política cotidiana, e a propaganda comercial, “a alma do negócio”. Neste caso, o comunicador vende sua opinião.

Por isso tenho gostado da imagem da propaganda comercial como um prostituição da opinião. Em ambos os casos, uma pessoa é compelida (na maioria das vezes por necessidade, não por gosto) a vender algo muito importante, mas que dinheiro nenhum deveria ser capaz de comprar. Algo que todo mundo acha que só deveria dar de graça: amor ou opinião.

Pensemos nas celebridades emprestando belas feições a produtos dizendo “compre”: isso é coisa velha. Há décadas temos personagens de novela elogiando produtos como se representassem a opinião de pessoas reais; já temos subcelebridades encenando mal o roteiro fictício de propaganda de produtos em “reality shows”.

Parece que a moda é contratar gerentes de mídias sociais que saibam escolher blogueiros influentes e pagar-lhes para falar bem de seus produtos. A confusão entre amor genuíno e amor de aluguel se aprofunda.

Como o sonho meu e de toda a jovem intelectualidade é ganhar para dizer o que pensa, como fica minha metáfora sexual? Quero ser um “ator pornô da opinião”? Acho que não. Creio que ter como trabalho pensar e escrever criticamente assemelha-se mais a um casamento feliz.

Eu não gostaria que meu trabalho fosse defender a disseminação de influências irracionais na opinião do mercado.
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arte teatro

A Cynthia e uma figura

A TV Cultura volta a exibir a série Figuras da Dança com documentários inéditos: Célia Gouvêa e Ana Botafogo.

Na noite de 29, madrugada 30 de outubro, à 0h15, exibe-se o filme sobre Célia Gouvêa; Ana Botafogo é o tema da noite de sábado, 5 de novembro. Nas semanas seguintes, a programação continua com reprises dos documentários de 2010: Angel Vianna (12 de novembro), Carlos Moraes (19 de novembro), Márcia Haydée (26 de novembro), Décio Otero (3 de dezembro) e Sônia Mota (10 de dezembro).

Esta última é o tema escolhido por Cynthia Domenico, mais uma convidada a apresentar sua colaboração para o Alegoria Digital. Ela é uma “figura”, sem dúvida, mas também artista da dança.

*

Meu caro amigo Ernane convidou-me a participar de seu blog com um post. Ele me emprestou a coleção de DVDs Figuras da Dança, uma realização do Governo do Estado de São Paulo e da São Paulo Companhia de Dança como estímulo criativo.

O projeto apresenta personalidades da dança brasileira, partindo de depoimentos públicos e registros fotográficos e videográficos que nos permitem visualizar a trajetória narrada.
Entre as figuras apresentadas, escolhi a artista Sônia Mota, honestamente falando, sem mais nem por quê.
Após assistir ao programa fiquei encantada por essa mulher visionária e corajosa, que desenvolveu uma técnica autoral que chamou de Arte da Presença e dedicou sua vida a investigar e transformar a linguagem da dança.
Sônia Mota afirma que a maior escola da dança é a vida, e que o verdadeiro artista usa a escola para descobrir os meios pelos quais ele pode criar. Ela afirma ainda que todo mundo pode dançar, mas nem todo mundo pode ser artista. Como artista, ela própria cria pela necessidade que a vida lhe traz, e encontra na dança as cores do mundo que ela não consegue achar no cotidiano acinzentado.
Fica aqui uma dica: vale a pena conhecer essa artista, quiçá essa coleção!
E mais sobre a Sônia você pode encontrar nestes links:
http://soniamotadancas.com/
http://www.spdance.com.br/sonia/
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alegoria arte livro poesia

Poema: Pronto

Pronto

Minha algibeira carrega pouca e cada vez menos coisa.

Vejo crescerem em volta pessoas de maiores e maiores necessidades

Carregam a cada dia mais fios e aparelhos e metem-se em máquinas

Pois isso facilita seu trabalho.

Eu trago apenas um lápis e este papel

Caso lhes queira comunicar informações efêmeras.

*

Esse poema parece casar-se bem com o texto da Soraia.

É de meu engavetado livro EF. Eu o considerava inacabado (o que contrasta um pouco com o título, é verdade). Mas os versinhos que queriam vir depois, como os aparelhos que sobrecarregam a hopla cotidiana, pareciam demasiados.

Outra ironia está no fato de que, diferentemente de poetas como Joaquim E. Oliveira (que publica fotos de cadernetas com os originais de sua poesia), tenho trabalhado pouco no papel. O poema acima nasceu anos atrás no computador, nunca teve um rascunho em bloquinho ou agenda.

Foto: Joaquim E. Oliveira
Não foi assim que eu fiz.
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Soraia Scarpa sobre papel

Há tempos venho provocando amigos a responder ao que digo. Não apenas comentar, mas responder com toda a sua indignação, com um texto que mereça um espaço maior no blog.

Logrei algum êxito. Minha querida Soraia, coordenadora de arte na editora Ática, comenta o texto Nos tempos do correletron:

Ernane disse que uma das vantagens do livro digital é a economia de papel. Isso não significa menos poluição e melhores condições de vida no planeta.
Não é segredo que a indústria papeleira é muito poluente, consome muita energia e que há controvérsias sobre uso de madeira refloestada nas condições atuais brasileiras de plantio e de colheita. Mas tenho algumas perguntas: quanto essas novas tecnologias para leitura de livros diminuirão o impacto na poluição vinda da fabricação do papel? Em quanto tempo essas invenções eletrônicas precisarão ser substituídas e trocadas? E suas baterias e telas, elas têm o descarte ideal? Quanto essa indústria tecnológica polui?
Faço essas perguntas sem considerar que os países onde esses produtos são fabricados nem sempre têm uma política de valorização do trabalhador e nem de preservação do meio ambiente.
Atualmente vivo de livro de papel. Imagino que as coisas devam mudar nos próximos anos. Mas não acho que estou sendo conservadora quando questiono isso. Até porque não vivo mais sem telinhas e baterias espalhadas nos celulares, câmeras digitais, computadores portáteis e demais inovações.

Obrigado, Soraia. Lixo eletrônico, atualização de arquivos em formatos obsoletos e custo dos aparelhos são apenas algumas das desvantagens do livro eletrônico em relação ao papel. Eu citaria ainda o conforto como travesseiro na biblioteca, só para começar.

Mas, para quem ainda não se convenceu, encerremos com um vídeo educativo.

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academia alegoria arte teatro

Vanguarda equilibrada

1. O que não falei sobre o Théâtre du Soleil

O sítio da revista Cult tem um pequeno texto (cheio de frases longas) em que apresento o novo espetáculo do Théâtre du Soleil, Os náufragos da Louca Esperança. Faltou explorar melhor o fato de “Louca Esperança” ser o nome do estabelecimento onde as personagens da peça encenam um filme sobre o navio Louca Esperança.

É um abismo de metáforas, das quais sobressai uma das características mais vanguardistas (no bom sentido) desse grupo: a consciência de que, se o século XX viu a utopia dar lugar ao cinismo, isso não quer dizer que é preciso baixar a cabeça e se render.

2. Aquela vanguarda

Essa vanguarda são aqueles que tentam superar a ingenuidade otimista e não aceitam desistir do humanismo. É isto o que vejo em comum entre artistas contemporâneos que aprecio, tão diferentes formalmente: correm o risco de parecer “moderninhos” aos olhos dos velhos e “reacionários” perante muitos adultos.

De volta ao Théâtre du Soleil, a companhia equilibra-se portanto em paradoxos: sua criação é “coletiva”, mas o nome da diretora Ariane Mnouchkine impera; a peça nega capitalismo e comunismo ao mesmo tempo; e há o véu.

Uma cortina de renda separa o camarim do corredor pelo qual entra a plateia. O público portanto pode apreciar a preparação dos atores, especialmente no intervalo do espetáculo. Mas o véu é um símbolo claro: “estamos próximos fisicamente, mas não teremos contato”. “Isto é uma concepção diferente, mas não é a subversão completa”. Do caos não viria algo melhor que a tradição.

3. A crítica

Começa portanto a fazer sentido a conversa com José Arthur Giannotti (disponível na edição de outubro da mesma revista) sobre arte. Provoquei o professor de Filosofia, insinuando ser “conservador” em sua rejeição a certa arte contemporânea. Não estará ele (com um pouco mais de propriedade, porque estuda o assunto) apenas enfatizando a demanda comum por criações que se comuniquem com o público? Felizmente ainda há gente que quer ouvir algo do artista, mesmo que seja para discordar.