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Nos tempos do correletron

Junto numa caixa algumas cartas recebidas. Ao vê-las, orgulhoso penso nas cuidadas missivas que enviei em resposta, poucas escritas em meu “papel de carta especial” (aquele do motel que dá “dez dias no cheque”). Cresci tendo o telefone como um meio de comunicação suficientemente acessível, mas o documento em papel ainda se apresentava como um orgulho perene.

O correio eletrônico popularizou-se quando eu era adolescente. Mantive um estilo vagamente epistolar nas mensagens. Fantasiava: Correspondência do Ernane, volume 2 – Correletron. Pois, além de ter a pretensão de que minhas mensagens dissessem alguma coisa importante, eu fiz alguma campanha pela tradução de “e-mail”. Aparentemente “correletron” não pegou. “Correl”, que tal?

O fato é que a epistolografia como documento histórico aparentemente não interessa. Pois a evolução dos provedores de e-mail não tem privilegiado o armazenamento do texto. E o correio eletrônico já está sendo superado pelas mensagens “instantâneas” em telefones celulares ou nas redes sociais. Mesmo que o Twitter facilitasse a armazenagem de suas mensagens pessoais, caro leitor, seriam elas interessantes?

Se as mensagens cotidianas não valem um livro, o artista compensa com ficção. Já vimos campanhas de micropoemas pelo celular e concursos para contos de até 140 caracteres. Agora vem um romance epistolar que marca essa época.

As razões do outro traz uma série de mensagens eletrônicas entre dois homens que não se falavam havia muito. Ler uma troca de e-mail no papel, organizada de modo a possibilitar diferentes ordens de leitura, será uma experiência rara. Afinal, exceto por colecionadores acumuladores como eu, o povo quer abandonar o pesado, bonito, caro, cheiroso, poluente, fofinho livro de papel em favor dos livros eletrônicos.

Escrevi a “orelha” do livro. Eis algo que ainda não vi: livro eletrônico com orelhas.

As razões do outro

de Maria Eugênia Mourão

ed. Thebooksonthetable

104 págs., R$ 27

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Lista: palavras que sempre esqueço

Certas palavras a gente lembra que sempre esquece. Quando elas fazem falta, não adianta esperar que a pessoa ao lado complete a frase.

Damos voltas, tentando cercar o conceito do que dizíamos, mas não há definição que satisfaça a carência, nenhum sinônimo parece adequado. Seriam palavras “favoritas” se o cérebro as deixasse à disposição.

Para não sofrer mais com isso, anotei em minha caderneta, em 1998, uma lista de palavras que eu sempre esquecia. Ela foi útil enquanto eu carreguei aquela caderneta. E mais: esse reforço mnemônico foi ótimo para deixar de esquecer algumas delas.

Segue a lista, com um acréscimo.

1) Silhueta

Grave.

A primeira. Mas que “sombra”, que nada! Definir um vulto, desde a infância, para mim é falar em “silhueta”. Só que a palavra não vinha. Se eu soubesse desenhar, talvez tentasse usar a palavra “contorno”, mas evidentemente não seria a mesma coisa.

2) Metalinguagem

Passei a adolescência querendo lembrar essa palavra. Quando fiz a lista, ela já estava quase na ponta da língua.

3) Aréola

Quem pôs essa palavra aí? Bem, é esse o tipo de “erudição” que impressiona meninos. Mas eu já estava passando da idade de invocá-la numa mesa de bar quando fiz a lista original.

4) Dinâmico

5) Especular

6) Altruísta

Essas são para o neurolinguista explicar: será que colocar essas palavrinhas na lista só serviu para esquecê-las? Não fazem parte de meu cotidiano.

7) Simetria

Essa não estava na lista, pois não veio à memória. Cerca de dois anos antes, lembro-me de, após dias de desespero colegial, parar diante de um professor de Biologia e traçar uma linha em minha testa com a mão até ele adivinhar, como num jogo de mímica: “simetria bilateral”.

Trata-se de uma palavra que ainda esqueço. As próximas também (fica o recado para os amigos, quando eu emudecer):

8) Eufemismo

Quero xingar alguém dizendo “burro é eufemismo” e acabo em algo como “burro seria uma forma atenuada, com efeito meramente de polidez, de caracterizá-lo”.

E, para encerrar fazendo pose:

9) Maniqueísmo

Que outra palavra é tão chique para criticar o simplismo do pensamento dualista dos outros, suas oposições mal matizadas, a ingenuidade de sua crítica? Pena que sempre a esqueço.

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Grand online slam

Ganhei o slam! A competição virtual Poemalia terminou e fui aclamado vencedor!

Dezenas de pessoas votaram no vídeo em que eu lia um trecho de Gênese harmoniosa.

Um dos aspectos mais interessantes de minha “campanha” foi descobrir que muitos amigos conhecem a tradição do “poetry slam”, essa espécie de jogo em que a gente se reúne para recitar e é avaliada pela plateia ou por um júri.

Roberta Estrela D'Alva, terceiro lugar na Copa do Mundo de Slam deste ano.

Quer dizer que venci uma competição de poesia lendo um trecho de minha prosa? Eis uma bela prova de que a democracia é imperfeita, para dizer o mínimo.

Mas é claro que o evento de que participei não tinha esse tipo de amarra formal.

[aqui começa a parte chata filosófica do texto]

Uma lição interessante desse tipo de evento está no papel da competição para a sociedade.

O capitalismo é um sistema que promete, a partir da competição entre os agentes, a riqueza dos “melhores”. Em lugar de colaboração, temos competição: várias fábricas têm estoque encalhado para que uma seja a vitoriosa e venda tudo; vários sistemas de telefonia são instalados onde bastaria um.

Essa ineficiência intrínseca do sistema competitivo tem a vantagem de forçar os agentes a buscar a excelência e assim angariar clientes e riqueza.

Ora, não seria melhor para todos se a gente colaborasse na produção e nos serviços, poupando recursos e tempo de trabalho, e gastasse o tempo livre com lazer e arte?

Não precisamos abdicar da meritocracia e da possibilidade de escolha; mas um mundo em que o trabalho “sério” seja mais colaborativo e menos competitivo parece tão mais eficiente! Onde está o economista que vai nos ajudar a resolver essa questão?

Num mundo assim talvez não precisássemos pagar para ter serviços básicos; os engenheiros apenas competiriam para provar que seus projetos são melhores. Talvez os artistas não precisassem pagar para produzir arte, como ainda é a regra; e a plateia teria mais tempo e cultura para aclamar o poeta.

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(Saldão) Bienal do Livro

Dá-lhe, jogo eletrônico! Esses livros digitais andam mesmo deixando a desejar.

Visitei a Bienal do Livro do Rio de Janeiro na segunda-feira, 5 de setembro, disposto a alternar as personas de escritor, repórter e editor, dependendo de quem eu encontrasse. Mas só na abertura, na semana anterior, adiantaria fazer pose de profissional. Em todos os outros dias, os estandes estão interessados mesmo em vender lançamentos e, principalmente, encalhes.

Explico melhor: interessado no tema “livro digital”, tão logo abriu-se o evento corri ao espaço “Bienal Digital”, tencionando aproveitar que a criançada das caravanas escolares ainda não lotava essa seção. A “Bienal Digital” era na verdade um mostruário de computadores em forma de tablete vendidos por uma grande loja da Internet.

Dos quatro modelos disponíveis apenas um tinha sido carregado com um arquivo no formato que se costuma chamar de livro digital, isto é, que a gente lê em tela cheia no tabletinho, passa a página deslizando o dedo pela tela sensível etc. O demonstrador de outro modelo deu um jeitinho e mostrou-me um arquivo em formato “pdf”, que estamos acostumados a ver em qualquer computador, como se fosse novidade (não deixava de ser livro em formato eletrônico, é verdade). Os outros aparelhos estavam lá para a garotada jogar e acessar e-mail.

Não que eu não tenha escolhido um bom dia para profissionais: o colóquio internacional “E-books e a democratização do acesso” começou nesse dia, com uma interessante confirmação de alguns prognósticos que traumatizam qualquer um com mais de vinte anos. “Diminui progressivamente o apego ao livro de papel”, constata a pesquisa da empresa alemã GfK; “nós bibliotecários achamos um bom negócio pagar o mesmo preço por um livro virtual que, como o físico, não pode ser copiado e só pode ser emprestado a uma pessoa por vez”, diz Daniel Frank, diretor da Biblioteca Pública de Colônia; “precisamos ver se estamos utilizando bem as funções do computador nessa conversão”, questiona a pesquisadora francesa Claire Nguyen.

Ninguém afirma com segurança que os formatos atuais de livro digital não terão o mesmo fim do VHS e do disco de vinil. Senti-me evidentemente um homem arcaico ao entoar internamente, amedrontado, o mantra “o papelismo é um humanismo”.

Como consumidor, aproveitei alguma promoção e ouvi diversos escritores independentes, que eram a maioria dos raros profissionais do ramo disponíveis e motivados, tentando ganhar reconhecimento (e quem sabe alguma venda). A eles a garotada, massa majoritária dos frequentadores, não dava muita atenção. Saí pensando que feiras que misturam profissionais e grande público são uma festa do grande público. Se servir de estímulo aos jovens leitores, isso não é mau.

O tipo de coisa que você não vai ver à porta da bienal paulistana.
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Lista: brincando de classificar a web

Desde que comecei este blog estava devendo uma lista de atalhos para páginas de amigos, fontes interessantes de informação ou sítios que frequento. Agora o leitor de Alegoria Digital já pode desfrutar de novas sugestões para navegar pela vasta rede.

A lista tinha de incluir alguma graça, é claro. Escolhi meu arremedo de classificação dos saberes em três: tudo é ou Arte ou Filosofia ou Ciência. Depois a gente ramifica as escolas das ciências, das artes.

Ou, se quisermos pensar numa bela imagem, temos a Filosofia como raiz, a Ciência como caule, galhos e folhas, a Arte como florezinhas que aparecem de vez em quando.

Não é uma taxonomia pronta, evidentemente. E dá para criticar essa “universidade virtual” em que a Faculdade de Ciência deve ser muito maior que as outras (e a de Filosofia, tão pequena, tem o mesmo nível hierárquico). Mas é divertida.

Se nesta página pessoal a Ciência não é muito maior que as outras faculdades, é porque sou pouco prático. Apresento a lista em seguida, pois não é longa, mas as sugestões ficarão também numa página fixa, cujo link já está disponível na coluna ao lado.

Aceito sugestões de outras páginas!

Faculdade de Arte

Escola de Literatura

Machado de Assis – página da Academia Brasileira de Letras: http://www.machadodeassis.org.br

Claudio Willer – escritor e professor, sempre crítico: http://claudiowiller.wordpress.com

Escola Multimídia

Cynthia Domenico – artista de vários meios: http://www.cynthiadomenico.com

Twitter da Maria Eugênia Mourão – discute artes e tecnologia (e, contrariando a “netiqueta”, publica comentários sobre as refeições da autora): http://twitter.com/#!/Ugenias

Podcast do Belmondo – seleções musicais do DJ Pacheco: http://podcastdobelmondo.blogspot.com/

Faculdade de Ciência

Escola de Idiomas

Chinese Input Method Editor – sistema fácil para escrever ideogramas chineses:  http://www.chinese-tools.com/tools/ime.html

Dicionário Merriam-Webster – apesar de haver-se tornado um pouco poluído visualmente, o sítio destaca-se pelo cuidado com a etimologia e pela constante atualização: http://www.merriam-webster.com/

Word Reference – meu dicionário multilíngue favorito: http://www.wordreference.com/fren/

Escola de História

Novo em Folha – jornalismo é história. Aqui se discute como escrevê-la: http://novoemfolha.folha.blog.uol.com.br/

Escola Lúdica

Playmobil – a melhor coisa que se pode fazer com petróleo: http://www.playmobil.com

Mario Pro – o professor Mário Madureira Fontes apresenta ferramentas para o desenvolvimento de jogos eletrônicos: http://www.mario.pro.br

Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital – onde consegui misturar jogo e Filosofia: http://www.pucsp.br/pos/tidd/

Faculdade de Filosofia

Encyclopedia Mythica – “mitologia, folclore e religião”, assuntos desse sítio, não são Filosofia. Mas os filósofos adoram essa coisa toda: http://www.pantheon.org

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – minha “alma mater”: http://fflch.usp.br/

Stanford Encyclopedia of Philosophy – bela fonte de consulta: http://plato.stanford.edu/