Junto numa caixa algumas cartas recebidas. Ao vê-las, orgulhoso penso nas cuidadas missivas que enviei em resposta, poucas escritas em meu “papel de carta especial” (aquele do motel que dá “dez dias no cheque”). Cresci tendo o telefone como um meio de comunicação suficientemente acessível, mas o documento em papel ainda se apresentava como um orgulho perene.
O correio eletrônico popularizou-se quando eu era adolescente. Mantive um estilo vagamente epistolar nas mensagens. Fantasiava: Correspondência do Ernane, volume 2 – Correletron. Pois, além de ter a pretensão de que minhas mensagens dissessem alguma coisa importante, eu fiz alguma campanha pela tradução de “e-mail”. Aparentemente “correletron” não pegou. “Correl”, que tal?
O fato é que a epistolografia como documento histórico aparentemente não interessa. Pois a evolução dos provedores de e-mail não tem privilegiado o armazenamento do texto. E o correio eletrônico já está sendo superado pelas mensagens “instantâneas” em telefones celulares ou nas redes sociais. Mesmo que o Twitter facilitasse a armazenagem de suas mensagens pessoais, caro leitor, seriam elas interessantes?
Se as mensagens cotidianas não valem um livro, o artista compensa com ficção. Já vimos campanhas de micropoemas pelo celular e concursos para contos de até 140 caracteres. Agora vem um romance epistolar que marca essa época.
As razões do outro traz uma série de mensagens eletrônicas entre dois homens que não se falavam havia muito. Ler uma troca de e-mail no papel, organizada de modo a possibilitar diferentes ordens de leitura, será uma experiência rara. Afinal, exceto por colecionadores acumuladores como eu, o povo quer abandonar o pesado, bonito, caro, cheiroso, poluente, fofinho livro de papel em favor dos livros eletrônicos.
Escrevi a “orelha” do livro. Eis algo que ainda não vi: livro eletrônico com orelhas.
As razões do outro
de Maria Eugênia Mourão
ed. Thebooksonthetable
104 págs., R$ 27